Há pouco tempo vi na televisão uma reportagem que me tocou, de tema a paralisia cerebral. Ali foram contadas histórias, vidas bem reais de Ritas com diferentes idades, todas mulheres e todas cheias de força para contrariar uma doença que mina os seus movimentos, que as prende, nalgumas situações, a uma cadeira de rodas. Mas estas Ritas não se deixam prender, lutam, procuram conseguir o que qualquer pessoa sem esta doença quer e ambiciona conseguir. Continuam a sonhar, referem querer chegar à meta, não importando a posição ou o tempo que a demoram a atingir. Os pais das Ritas mais pequenas falaram do morrer do sonho da criança que haviam sonhado e da adaptação diária à doença. A Rita mais velha, casou e teve recentemente duas gémeas, que na reportagem correm mais do que a mãe Rita. Ser mãe foi um sonho, que sempre sentiu ser impossível para os outros e para os seus pais, tal como foi tirar uma licenciatura, obter emprego, contribuir de forma activa para a sociedade. O que é certo é que conseguiu, tornando-se nobel da determinação, da coragem, da ânsia de vencer e de mostrar a si mesma e ao outro de que é capaz, ao seu ritmo, como se no relógio do tempo o número das horas, traduzisse as pequenas e simples vitórias de vida.
"Voltámos para Colombo algumas horas depois. Exausto e a pingar suor, precisava de tomar um duche quente e descansar. Mas não conseguia deixar de pensar nas pessoas presas na zona de conflito, suportando os horrores da guerra em condições calamitosas". Excerto de notícia, no jornal público de 02 de Maio - Sri Lanka.
Deixo aqui estas palavras escritas por um jornalista que não se conseguiu despir totalmente no seu banho, porque a sua mente estava habitada pelo sofrimento das gentes que viu, gentes que não podem virar costas e tomar simplesmente um banho descansado. Achei graça a estas palavras porque representam a globalidade de viveres, a discrepância de sentires de uns e de outros. Uns vivem compassadamente os seus dias, pensam no que amanhã vão vestir, no que farão amanhã para o jantar, que esta semana tentarão ir mais vezes à ginástica, pessoas que pensam que destino dar ao subsídio de férias e ao IRS, caso seja caso disso. E outros vivem desesperadamente para que a sua existência marque horas e segundos no dia a seguir, aqui não há tempo para pormenores, é tempo de lutar para sobreviver. Por isso, muitas vezes penso que fui bafejada pela sorte, nasci num país democrático, sem guerras, com oportunidades, com espaço para que a minha vida possa desabrochar em pleno.
Aí vem mais um ano em que se celebra a libertação de um povo que permaneceu tempo demais calado, sentado e esperando. Certo comentador disse hoje sentir que o povo é livre para agir e livre no pensar, mas que continua filho do Estado, esperando que este o salve, que aqueça as suas agruras, que resolva os seus problemas. Não satisfeito ainda disse que o cidadão português é rico em falta de iniciativa, criatividade, predominando a passividade, brotando a dependência e o medo do risco. Parece que este senhor quer dizer que somos livres de voar, mas que temos muito medo das alturas, ou dos ventos que balançam a nossa estabilidade e segurança. Mas meu senhor, partir para ilhas desconhecidas é desafiar o guião da vida e quem o desafia teme, mas deixe-me dizer-lhe que somos um povo que acreditando, luta com garra, com trabalho e perseverança. E ninguém é assim tão livre... livre é o pássaro que canta tranquilamente no seu império azul, sem entidade patronal, morando onde quer e lhe apetece, sem despesas e poiso fixo. Livre é a criança que não espera pelo amanhã, se tem o hoje já junto a si, que acredita que rir a fará ficar com menos rugas, e que o melhor comprimido é achar graça a tudo o que a vida tem, incluindo-se a si também. Mas não desanimem, não dizem que podemos ter uma criança dentro de nós, aliás que todos temos um ser pequeno dentro deste ser crescido que somos, então acho que o truque é puxá-lo para cima mais vezes! Viva a liberdade, viva quem por ela lutou. Estamos gratos.
Uma pessoa que muito estimo disse que o dia dos namorados deveria ser banido do calendário. Neste dia, casais unidos pela flecha do cupido teimam em não esconder que são um só e que aproveitam o dia de São Valentim para dar um pontapé à crise e convidar a cara metade para um belo jantar calmo e romântico num restaurante, que de só e de calmo não tem nada, porque mais casais tiveram a mesma ideia. Esta pessoa que muito estimo fica enervado por este dia, que de Nacional tem pouco, mover tanta gente, mover tantas rosas, mover tantos presentes, mexendo assim a economia e o rol de beijos, abraços e de "gosto muito de ti". Realmente, costuma-se dizer que dias de cupido deveriam ser todos os dias, mas talvez assim, com um "dia 14 de Fevereiro" olhemos verdadeiramente para quem mora a nosso lado. E como andamos distraídos, o dia de São Valentim constitui-se como lembrete, como aqueles que colocamos no telemóvel para que não esqueçamos datas ou acontecimentos importantes. Nós que sofremos da doença de pensar que tudo é certo, que o amanhã virá sempre e que coisas ou pessoas têm lugar cativo. Por isso, este dia lembra-nos que não devemos adormercer na sombra, porque o amanhã se quiserem a Deus pertence mas o presente pertence-nos a nós, e por isso nada melhor que valorizar um bom colo, um bom coração e um bom corpo a corpo, porque se vale a pena, pelo menos por agora, vale a pena dizer "gosto tanto de ti", comprar uma rosa pintada com um beijo que de tímido não tem nada. E quando não há tempo para dizer nada verdadeiramente sentido neste dia do amor, é muito mau sinal, é sinal que a rosa perdeu a cor e que o beijo começou a ser tímido, e talvez para esta gente o dia do amor não devesse existir, ou porque este lhes lembra o quanto se sentem sós ou porque se sentem pesados pela infindade de dias que deram à sua cara metade... resta que tenhamos vontade para mudar e lutar para voltar a sentirmo-nos parte do mundo dos afectos e dos olhares correspondidos que de tímidos não têm nada!
Dias há em que custa ser,
Dias em que dói querer e não poder,
Querer chegar e não saber o caminho,
Querer mudar mas sem força para começar,
Há dias em que custa ser,
Dias de espera,
Dias em que espero por ti,
Mas não chegas,
Dias há em que custa ser,
Dias em que as incertezas fustigam a alma,
E a deixam doente de vontade,
A vontade de me mudar,
Há dias em que custa ser,
Apetece ser o que não sou,
Estar com quem não estou,
Deixar de sentir o que a estou a sentir,
Dias em que a vontade parece tímida,
E dá lugar à imperiosa preguiça de me deixar estar,
Há dias em que apetece fugir da chuva,
Ou deixar-me atingir pelo seu toque esquivo e frio,
Há dias em que não quero ser,
Quero comprar outra vida,
Mudar-me para outro recanto,
Fugir de mim, de quem me quer,
Encontrar-me...
Achei-me e Hoje,
Hoje não custa tanto ser,
Quero estar contigo,
Quero voltar a sentir o que conheço,
Quero vestir-me de vontade,
E estar onde sempre estive,
Quero estar com quem me quer,
E hoje chega... quero ser,
E amanhã logo se vê!