Tenho escrito pouco porque não sei esperar, tenho escrito pouco porque estou asfixiada pelas metas, pelas chegadas e esqueço o prazer do passeio, esqueço o prazer de sentir o que agora é meu. Acho que sofro de estrabismo fulminante, pois não sei olhar para o que detenho, não sei valorizar o que detenho, porque estou centrada no que quero alcançar, naquilo que acho que fará toda a diferença. Sei que tenho saúde, sei que felizmente não sofro de uma doença complicada, o meu corpo mexe bem, a minha cabeça move-se de forma razoável, tenho uma casa acolhedora, uma viatura que me transporta, família e amigos topo de gama e um emprego. Sei de tudo isso, e quero agradecer aos céus e a algumas personagens terrenas, por isso. Mas pronto, continuo a esquecer que sou detentora de tesouros, sou uma tonta insatisfeita que não sente o presente porque está sempre um passo à frente. E quero ser diferente, quero direccionar a lupa para o "aqui-e-agora", quero saber esperar, quero aproveitar o que agora é meu, olhar muito bem para o que possuo e sentir-me bem assim.
Parece que falta sempre qualquer coisa, diz Joana. Falta aquela camisa lisa de cor azul no nosso atelier das vestimentas que nos cobrem, falta aquele perfume que inundaria Lisboa e arredores com o nosso cheiro, falta aquele "modelito" de sapatos para calcorrear as ruas que assim pareceriam menos compridas. Falta sempre alguma coisa na conta bancária e falta tempo para fazer tudo aquilo que achamos que nos iria preencher ou tornar pessoas mais ricas de bem-estar e de felicidade. No fundo, e voltemos ao início, falta sempre qualquer coisa, a caminhada da satisfação é ávida, muito gulosa e ingrata. Ou talvez o saco não tenha fundo, talvez não acariciemos o que temos, talvez nos desapaixonemos rápido de mais, talvez contemplemos de menos e pensemos no que vem a seguir de mais. A insatisfação pode não ter limites e dói e faz doer porque ficamos negligentes com aquilo que é realmente importante em busca do elixir que desenfreadamente querememos tornar nosso, achando que com aquilo sim... E depois os tesouros que temos que manter, que cuidar religiosamente, ficam para atrás esquecidos e desamparados, sem mimo, no baú do sotão. A palavra que nos sossega, o abraço que nos securiza, o ombro que se oferece sem o pedirmos, o colo fofo que não se encontra em loja alguma, o afecto que nos alimenta sem apresentar conta, a companhia que nos aquece, a presença que nos ilumina, o prazer de ter alguém com quem partilhar o que é nosso, o prazer de ter alguém que connosco caminha. Isto sim é algo que só os loucos deixam faltar às suas vidas, e nós não somos loucos pois não?