Já neste espaço falei de livros e das palavras. Há já algum tempo que um livro não me prendia, há muito que um livro não me deixava inquieta para ver o que vem a seguir e às vezes aquela vontade, que consigo controlar de ver como o enredo vai terminar, dando um “olhadela” para as páginas finais. As horas de leitura são mágicas e puxam a nossa imaginação de forma tão instintiva. Aí estamos nós a imaginar como é Joana, a protagonista da história, ou a sentir os afectos descritos tão espantosamente pelo escritor, que vão desde a tristeza, entusiasmo ou excitação. Fico perplexa com o poder das palavras e cada vez mais apaixonada pelos livros. E quando acabamos de ler um livro que nos completou totalmente as medidas, vem alguma angústia, porque aquela gente, aquelas personagens, aquela história também foi minha por um tempo, também a vivi durante esse tempo. Por isso bate a saudade mas a alegria quando tudo termina bem… e que venha mais uma história.
A palavra pode sossegar,
Pode confortar, dar calor,
Mas pode ser flecha,
Que faz sangrar, gelar
Pode ficar cativa quando magoa,
Pode ficar cativa quando acalenta,
Pode aproximar ou repelir,
Palavra, bem supremo,
Forte e poderoso.
"Ser poeta é ser mais alto, é ser maior... é ser mendigo e dar como quem seja rei do reino de aquém e de além dor... é ter cá dentro um astro que flameja, é ter garras e asas de condor... é ter fome, é ter sede de infinito... é seres alma e vida em mim e dizê-lo cantando a toda a gente" (Ser poeta, Florbela Espanca).
Ser poeta é ter o dom inato de olhar tudo o que mexe dentro e fora de si, que vive refém da necessidade de o pôr em palavras. É grande porque vê para além do horizonte, sem medo daquilo que está para além dessa linha. Pode ser pobre, ser mendigo, mas é dono de territórios, viajante de pés no chão, dono de tudo o que toca, de tudo o que vê. É saber que tem em si garras, dentes, sangue e lágrimas, mas também sorrisos, esperança e asas para voar. É ter fome de conhecer, de tocar as coisas, de as sentir verdadeiramente, sem medo de passar a ponte. Ser poeta é gostar de chocolate porque as palavras tornam-se doces e lindas, tornam-se canção que mesmo dura não fere, melodia que fica. E acredito que em cada um de nós mora um poeta porque tudo o que temos cá dentro e tudo o que está lá fora, é poesia. Os afectos são poesia, as pessoas são poesia, a natureza é poesia pura, já escrita. E a poesia não se esgota, há sempre um novo olhar que dá vida às coisas...
Há quem cante para seus males espantar, eu escrevo para me libertar e para os meus males sacudir. As palavras têm para mim alma e o poder terapêutico de me tornarem mais leve. Talvez por isso, escreva para mim mesma, escreva porque me sabe bem dar vida às coisas que sinto, às coisas que vejo, às coisas que anseio. E talvez por isso escreva para mim mesma, e coisas menos agradáveis, que certamente inquietam ou deixam surpreso a quem põe os olhos naquilo que é "meu". Talvez não aparente quem sou realmente, talvez seja um produto que olhando por fora não parece o que é por dentro, daí o conceito de "publicidade enganosa". As pessoas têm de mim a imagem de pessoa doce, que tem comissão com o sorriso e a simpatia, por esbanjá-los "a torto e a direito". E depois quando olham o que cá vai dentro, parece-me que ficam um pouco desiludidas e decepcionadas. Parecem ter dificuldade em suportar as minhas dúvidas, as minhas inseguranças, os meus sentires e a minha procura. Por isso, sou egoísta ao escrever, porque dedico as palavras a mim mesma, porque escrevo porque me faz falta, preciso de o fazer como preciso de me alimentar ou beber. Escrevo porque gosto, deixa-me mais leve, mais confortada e mais serena. É a minha terapia, não penso nos olhos que me vão ler, não penso no que vão pensar, nem penso muito no que escrevo, sai... Penso só em mim e no bem que me proporciona. Mas como as palavras a todos pertencem, partilho o que é meu, porque sei que também vou receber o que é de alguém e um comentário que me irá preencher, acompanhar e fazer reflectir!
Há pessoas que com o tempo se tornam especiais, talvez se deixem despir mais, talvez se deêm mais a conhecer ou talvez seja do nosso olhar. Falo do SERIP que junta às minhas palavras sentidas e simples, um toque delicioso e mágico. Faz-me pensar, brinca com as palavras e isso fascina-me. Porque eu partilho do mesmo prazer, gosto das palavras mais do que chocolate, estar com elas e jogá-las na tela branca que vai gradualmente ganhando vida a preto e branco... Aguardo já ansiosamente que me deposite o seu sentir daquilo que escrevo e gosto de saborear o que me deixa, devagar, devagarinho. Nunca pensei que por baixo daquelas roupas, daquele ar contido e daqueles gracejos propositados, estivesse este ser com mãos sensíveis, ágeis e cheias de beleza. Realmente a vida é surpresa e as pessoas podem ser brindes que podemos ter a sorte de receber e o nosso SERIP, é de facto um belo brinde.